No início de março, publicamos uma nota destacando as incertezas e complexidades decorrentes das intenções de política comercial do governo Trump. Com base em nossa análise, aumentamos nossa exposição à renda fixa, reduzindo nossa participação em ações.
Os anúncios de tarifas do presidente Trump durante o chamado “Dia da Libertação” foram piores do que os cenários mais pessimistas. E não apenas pelo nível das tarifas, mas porque a forma como foram calculadas desafia a lógica do comércio multilateral. Mirar nos saldos comerciais bilaterais não funciona sem causar prejuízos significativos para os dois países envolvidos.
Uma tarifa superior a 40% sobre produtos de Madagascar não vai equilibrar seu comércio com os EUA criando empregos na produção de baunilha. Os EUA não têm clima tropical. O único resultado provável dessas tarifas será a redução do consumo real de baunilha. Os únicos beneficiários devem ser os fabricantes de essência de baunilha artificial, a maioria deles empresas suíças.
É possível discutir sobre práticas comerciais injustas ou barreiras não tarifárias ao comércio. Mas a essência da questão é simples: déficits comerciais significam que um país está investindo mais do que poupa ou gastando mais do que arrecada em impostos – ou ambos. Os EUA têm déficit comercial porque fazem as duas coisas. O governo federal opera com um grande déficit fiscal. Tarifas são um tipo de imposto, e reduzem o déficit comercial ao diminuir o déficit fiscal. Os EUA investem mais do que poupam, e conseguem fazer isso porque ainda são um destino atrativo para investimentos estrangeiros. Mas as políticas tarifárias irracionais enfraqueceram essa atratividade. Em outras quedas de mercado, o dólar costumava se valorizar, sendo visto como um porto seguro. Desta vez, caiu.
Seja por aumento de impostos, redução dos gastos públicos ou queda nos investimentos, a diminuição do déficit provavelmente terá um efeito semelhante no crescimento de curto prazo. Uma recessão já não é apenas uma possibilidade, mas uma probabilidade. Mudanças abruptas nas políticas, acompanhadas da possibilidade de novas alterações em curto prazo, só prejudicam a confiança de empresas e consumidores. Isso já começa a aparecer nos dados econômicos.
O que acontecerá com as economias do restante do mundo depende de como outros países vão reagir. A China já anunciou medidas de retaliação. A Europa ainda não. Medidas retaliatórias são politicamente difíceis de evitar. Mas como as tarifas prejudicam o crescimento de ambos os lados, uma retaliação generalizada só vai piorar as perspectivas de crescimento global. Olho por olho, o mundo inteiro acaba cego.
Não é fácil resistir à vontade de reagir diante de movimentos bruscos do mercado. Mas é importante manter o foco na trajetória de médio prazo. A queda começou num momento em que havia uma narrativa dominante: a economia dos EUA era tão forte que justificava as altas avaliações das ações. A economia americana depende menos do resto do mundo do que o contrário. Pode ser que, mesmo entrando em recessão, os EUA apresentem um desempenho melhor que outras economias. Mas a confiança que sustentava essas avaliações elevadas foi abalada. Será justificável reduzir a exposição ampla às ações em caso de recuperação do mercado.
Na Europa, por outro lado, os preços das ações não estavam tão elevados. Isso se deve ao crescimento mais fraco das economias europeias e à menor lucratividade das empresas da região. No entanto, os preços já começaram a parecer razoáveis. Considerando as necessidades de gastos com defesa e infraestrutura, uma expansão fiscal provavelmente oferece justificativa suficiente para aumentar a exposição à região.
Temos mantido uma sobrealocação em renda fixa, mas com foco em prazos curtos e crédito de alta qualidade. Embora a expectativa de crescimento mais fraco geralmente justifique alongar o prazo dos investimentos, achamos isso arriscado para investidores de médio prazo por dois motivos. Primeiro, a inflação ainda está longe da meta do Fed, e as tarifas vão elevar os preços e provavelmente também as expectativas de inflação. Investimentos de longo prazo não são apropriados em um cenário de estagflação (inflação alta com crescimento fraco). Segundo, a política fiscal segue incerta. As tarifas só gerarão receitas significativas se os consumidores continuarem comprando produtos importados. Uma recessão reduziria essas receitas. Além disso, o presidente Trump já sugeriu cortes de impostos, enquanto as economias identificadas pelo DOGE têm sido pequenas. Ou seja, o déficit pode crescer justamente quando investidores estrangeiros podem evitar ativos em dólares. Nesse cenário, as taxas de juros de longo prazo podem subir.